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Integrante de uma equipe de 50 funcionários divididos entre São Paulo (SP) e Manaus (AM), Ruy Nakaya , 55 anos, é apaixonado por motos desde os 12 anos. “Sou romântico, não consigo imaginar uma moto sem o cheiro, a vibração e o barulho dos motores a combustão”. Conversamos com Ruy no secreto centro da HR&D Brasil, onde poucos funcionários da Honda têm acesso. Confira.
INFOMOTO - Como nasce uma nova moto?
Ruy Nakaya - Sempre partimos da percepção do mercado. A Honda sempre foca no usuário daquele modelo.
INFOMOTO - O que é levado em consideração?
Ruy - Essa talvez seja a parte mais difícil, porque não é fácil de mensurar o que o usuário gosta e quer. O que a gente sempre procura fazer é ir ao local onde essas pessoas vivem. Quando você está fazendo esse tipo de trabalho, procurando entender melhor o mercado, a gente tenta ter um contato direto com o usuário na condição real dele, não em uma sala. Preciso vê-lo na casa dele, ver o que ele faz, como ele usa o produto. Aí posso perceber qual a importância da motocicleta para ele. Um caso típico é quando visitamos o usuário no nordeste. Vamos até a casa dele, bem simples, e a moto fica no meio da sala. Afinal, é a coisa mais importante e bonita pra ele. Você percebe o valor que a moto tem pra ele: é tão importante que fica lá dentro da casa dele. E aí começamos a notar o que mudou na vida dele antes de ele ter a moto. A mobilidade, ir pra cidade, fazer seu trabalho, levar os filhos pra escola... Então, isso faz a gente se envolver com o usuário pra tentar fazer o melhor pra ele. Fazer com que ele tenha uma vida melhor, pra que seja mais feliz.
INFOMOTO – Vamos usar um exemplo de um produto que foi desenvolvido no Brasil, a Honda Biz. Como surgiu a ideia da Biz?
Ruy - A concepção da CUB é mundial e antigo. Trouxemos a Dream para o Brasil com a ideia de desenvolver esse segmento. Eu não estava exatamente no início do desenvolvimento da Biz, eu entrei um pouco depois na HR&D Brasil, mas o conceito inicial foi o seguinte: a CUB é muito simples de utilizar, câmbio semiautomático, leve, fácil de pilotar. E o mercado brasileiro de motocicletas sempre foi muito masculino e o mercado feminino era muito pequeno. Eram raras mulheres de moto aqui no Brasil. E a Honda percebeu o potencial de mercado, a necessidade das mulheres de terem motocicletas. A percepção básica foi de que o que mais incomodava às mulheres nas motos era ter de carregar o capacete pra cima e pra baixo. E daí veio a ideia de colocar o capacete na moto. Assim surgiu o espaço sob o banco. Isso gerou muita discussão, porque foi a primeira vez que se adotou dimensões diferentes de rodas – 17 na frente e 14 atrás – em uma CUB. Até o pessoal do Japão entender o que a gente queria demorou. Não tinha sido feita ainda essa mistura. O projeto foi e voltou várias vezes. Como rodas de diferentes tamanhos é coisa de moto off-road, então CUB com roda grande na frente e menor atrás eles não entendiam.
No final, o espaço não serviu apenas pro capacete. No Nordeste, por exemplo, é comum mulheres que fazem venda porta a porta e o porta-capacete virou um lugar pra colocar a mercadoria, seja perfume, roupa, para visitar seus clientes.
INFOMOTO - Qual outra necessidade do usuário acabou virando um modelo de sucesso?
Ruy - A Bros foi outro caso interessante. Até então, o conceito on/off tinha as características dos modelos de motocross. Mas depois de estudarmos bastante o próprio usuário da antiga XLR 125, percebemos que, na verdade, somente uma pequena parte do público gostava do estilo off-road. A maioria precisava da característica off-road, precisava de uma “CG” com essa característica porque rodava em estradas sem pavimentação, na região Centro-Oeste e Norte. Olhando essa situação, de CG na estrada de terra, pensamos que tínhamos que achar um meio termo para andar nessas condições: uma boa suspensão, resistência e confiabilidade da CG e com facilidade de utilização. As motos puramente off-road são mais altas e muitos tinham dificuldade. Fizemos então uma moto mais baixa e para isso diminuímos o diâmetro da roda dianteira, de forma que a pessoa pudesse colocar os pés no chão. Para oferecer conforto usamos banco de dois níveis, e optamos por carenagens plásticas, porque nessas condições fora-de-estrada sempre existe o risco de as pessoas caírem e danificar o produto.
INFOMOTO - E deu certo?
Ruy - Se hoje você viajar pro Norte e Nordeste, muitos estão optando pela Bros em vez da CG. Até o mototaxista está usando a Bros. A Bros mistura o desempenho e conforto da CG com a robustez de uma moto off-road.
INFOMOTO - O que é mais desafiador no seu trabalho: criar uma nova moto ou aprimorar um modelo já existente?
Ruy - No meu ponto de vista, o desafio é o mesmo tanto em um novo conceito que você introduz, como foi o caso da Pop, ou como em uma evolução como nessa nova CG. No primeiro caso, é difícil porque você está entrando em um novo mercado, um novo segmento. Por outro lado, quando mudamos a CG, que tem longa historia e um mercado variado, também é complicado definir o desenvolvimento dela. Tem muitos usuários, então tem que focar no principal usuário. Não vamos conseguir atender todo mundo. É preciso foco.
INFOMOTO - Qual foi o maior desafio na nova CG?
Ruy – O grande desafio no caso da CG – e na atualização de modelos que já existem - é como realizar uma inovação no produto sem aumentar o custo. Melhorar o produto colocando itens novos e uma série de coisas é muito fácil, mas dessa forma, você tiraria a CG da sua faixa de preço no mercado. Essa inovação mantendo o preço é uma equação difícil. Trabalhamos em vários processos para tentar otimizar o máximo e poder investir em outras partes. Foi o caso do novo processo produtivo do chassi – foi assim que conseguimos investir em outros elementos. Fizemos uma chapa mais fina e mais leve e mais barata de fabricar.
INFOMOTO - E de quem foi essa ideia?
Ruy - Foi uma coisa do departamento de peças e acessórios que sempre trabalha com os fornecedores. O desenvolvimento começa na escolha de materiais novos. Antes de fazer um produto, precisamos saber o que há de novo no mercado. E o chassi estampado melhorou por causa do nosso know-how que veio evoluindo desde a primeira 150cc. Essa já é a terceira geração desse chassi.
INFOMOTO - Quanto tempo seu departamento trabalhou na nova CG?
Ruy - Na verdade, a CG não para de ser trabalhada. Muitas coisas que gostaríamos de ter feito nessa, fica pra próxima geração. Quando a gente lança um produto vamos acompanhando-o como se fosse uma planta – regamos, vemos crescer e nossa área de pesquisa fica ligada na vida útil desse produto.
INFOMOTO - Com 35 anos na Honda, o que você destacaria entre os projetos que você participou?
Ruy - Um projeto que acompanhei e acompanho desde o início é a Pop. E a Pop foi um projeto bastante polêmico pro mercado porque, na fase inicial, muita gente estranhou o produto. Mas toda nossa equipe não perdeu o foco. Queríamos realmente fazer algo pra atender o segmento das classes mais baixas. E pra isso tivemos que aprender com esse mercado, fomos conviver com esse pessoal da classe D, conhecer suas dificuldades para entender o que a gente poderia fazer para tentar dar pra essas pessoas um dia melhor. E hoje, perceber a melhoria na vida dessas pessoas que usam a Pop é muito gratificante para mim. Mesmo que não seja um produto dentro do conceito normal de motocicletas, da moto com tecnologia de encher os olhos, o que tem um valor especial para mim é a função dela. O impacto dela no dia-a-dia dessas pessoas é muito importante. Durante o desenvolvimento da Pop, em vários momentos, deparamos com o dilema: uma moto bonita ou uma moto barata? O que era mais importante para esse segmento de mercado? Preço é o importante pra esse pessoal. A gente tinha que assegurar qualidade a um preço muito baixo. Abrimos mão da embreagem centrífuga, espaço sob o banco...
INFOMOTO - E, por outro lado, houve alguma outra moto na qual você trabalhou e acabou sendo uma decepção?
Ruy - Tem sim. A CBR 450SR. Não pela moto em si, mas pelo momento do mercado. Nesse modelo a gente não se preocupou com o preço. Então tudo que a gente achava que tinha que colocar nela foi colocado: carenagem, rodas, motor foi retrabalhado para entregar mais potência, pedaleiras de alumínio... E com isso o preço subiu demais e enfrentou uma queda violenta do setor de motos na década de 90. Isso resultou em baixas vendas. Conceitualmente marcou uma época e virou referência. Mas o resultado em termos de mercado não foi muito bom. Foi um desenvolvimento mais movido pela emoção do que pela razão, mas a gente não imaginava que o mercado fosse cair tanto.
INFOMOTO - Entre emoção e razão o que é mais importante?
Ruy - Moto a gente tem que pensar com emoção, por mais racional que seja a utilização focada em economia, durabilidade tem que ter emoção. Porque a moto é um veículo que transmite uma sensação única. E cada modelo transmite uma sensação diferente. A alegria maior que a gente tem ao trabalhar com diferentes modelos é poder oferecer vários tipos de “pratos” para que as pessoas possam experimentar. Essa parte da emoção é fundamental. Se você não tivesse emoção não existiria uma moto. Ela começa na emoção. O fato de ter duas rodas já é diferente. O carro vai pra frente, pra trás, direita e esquerda. Já as motos te dão um novo eixo. A moto está entre os carros e o avião em termos de movimentação. Queremos que as pessoas comecem com as motos pequenas e vão crescendo e experimentado novas emoções. Até não parar mais. Até você perceber que entre andar em uma 1000cc e uma 50cc a alegria é a mesma. Ando de moto desde os 12 anos e não faço distinção. A moto pequena me dá tanta alegria como uma moto grande. Se as pessoas pudessem experimentar tudo isso seria emocionante. Eu tive essa oportunidade.
INFOMOTO - Como você enxerga o futuro das motos?
Ruy - Tudo aponta para os elétricos, híbridos. Por causa do meio ambiente talvez seja mesmo necessário. Mas sou mais romântico, sempre vivi em cima de motor a combustão: gosto do cheiro, da vibração, do barulho. Emoções que você sente. Imaginar uma moto elétrica... Particularmente para mim é difícil. Mas não falo em termos de mercado e do futuro da empresa.
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